sexta-feira, 31 de março de 2017

Está triste, come. Está com medo, come. Está com raiva, come. Aonde vai dar isso?

Por Néa Tauil


É difícil para muita gente acreditar  e aceitar que o aumento de peso pode ser gerado por fatores emocionais, considerando apenas os fatores genéticos, ambientais e também as alterações hormonais. Mas, enquanto as questões emocionais forem negligenciadas, iremos encontrar  milhares de tentativas fracassadas de emagrecimento, pois elas costumam funcionar como fatores desencadeantes e mantenedores do sobrepeso e da obesidade.

É fato que o aumento de peso pode ser gerado por um conjunto de fatores, mas o componente psicológico  exerce papel importante nesse cenário, pois o organismo e a mente são expressões integradas de um mesmo ser, se algo não vai bem em uma das partes, outras poderão ser afetadas, porque corpo e mente são estruturas que integram a individualidade, formando o  todo. Ou seja, a mente pode influenciar na saúde do organismo, e este; na saúde da mente. Portanto, uma doença que se manifesta fisicamente pode afetar a mente em vários aspectos. Assim, como também a mente pode adoecer o corpo.  

Não há mais dúvida sobre a inteireza do corpo e a inseparalidade das funções do organismo e das experiências emocionais. McDougall (1987) nos fala de sujeitos que reagem ao desamparo emocional essencialmente por meio dos sintomas, o que ela chama de "potencialidade psicossomática". Mas ressalta que todos nós temos tendência a somatizar quando as situações ultrapassam nossa capacidade para lidar com elas. Em outros termos, os problemas interpessoais angustiantes que não podem ser resolvidos pela mente racional serão " absorvidos" por alguma outra parte do corpo e se convertem em sintomas e sinais - as somatizações. O sintoma pode ser a pista para decodificar, como um "recado" o que a mente inconsciente estar a revelar.

A obesidade é um sintoma, ou seja, uma manifestação subjetiva que "comunica" - eventualmente pelo corpo - algo que não pode ser elaborado emocionalmente. Veja que essa forma de comunicar conflitos - por intermédio do corpo - não é, logicamente, exclusiva de indivíduos obesos (Spada, 2009). Nesse sentido, a causa pode estar no inconsciente, pois quando não há  a possibilidade de reconhecer, tornar consciente e verbalizar os sentimentos e emoções,  o corpo adoece.

No entanto, a maneira como o inconsciente interfere em cada indivíduo é relativo, já que leva em  consideração a história de vivência de cada um, isto é, experiências pessoais e coletivas. Ou seja, durante o desenvolvimento infantil, tudo o que a criança absorver das primeiras experiências, dos incidentes felizes ou infelizes e condicionamentos transmitidos através do comportamento, dos sentimentos e atitudes dos pais ou cuidadores, no dia a dia, deixa gravações psíquicas e emocionais registradas para sempre em seu inconsciente. Estudos da Kaiser Permanent, organização sem fins lucrativos da Califórnia, comprovam que adultos com problemas de obesidade, saúde mental, vício e outras condições tinham tido desenvolvimento comprometido na primeira infância. Nesse sentido, podemos dizer que não é por acaso que a confusão entre aflição emocional e fome ou a interpretação equivocada dos sinais de fome podem levar uma pessoa a comer compulsivamente na idade adulta.
Ou seja, pode ser que os pedidos da criança por alívio tenham sempre recebido respostas inadequadas, de forma que, quando ela chorava, pensavam que estava com fome ou ofereciam-lhe "guloseimas". O bebê também pode ter sido alimentado em horários rígidos, em vez de em resposta à sua fome ( engolir goela abaixo). A comida podia ser insuficiente quando a criança precisava. Há também outras vivências igualmente complexas, relacionadas à proximidade e identidade que podem levar uma pessoa a comer compulsivamente. Por exemplo, um dos pais podia adorar comer e ter comunicado sua paixão por tudo relacionado a comida ao filho, e o tempo que passavam juntos podia estar permeado da sensualidade da comida. A preparação da comida e a antecipação de suas delícias, o ato de comerem juntos, estabeleceram e significaram um determinado vínculo entre eles. Ou a comida pode ter sido sempre um campo de batalha, em que a criança pode ter sido colocada em dieta e rebelou-se, acabando por desenvolver uma síndrome completa de dieta/episódios compulsivos, e outros. 

Certamente, o que acontece na infância, não fica só lá, os resultados se estendem para a vida adulta. Partindo desse pressuposto, tratamentos que visem à diminuição de peso não devem ignorar os possíveis fatores emocionais ligados ao ato de comer. Sendo a psicoterapia uma importante aliada no combate ao sobrepeso e obesidade, é primordial que se trabalhe -  por meio dela - as muitas questões com as figuras de pai e mãe, traumas, crenças, conflitos que impedem de atingir o peso ideal,  reviver e dar-se conta das emoções e dos sentimentos que foram negados e rejeitados. Enfim, descobrir  como os problemas emocionais passaram a converter-se em problemas de peso, para que dessa forma a comida deixe de ser um substituto emocional  e o emagrecimento não seja mais uma condição temporária. 



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Referências:
McDougall, J. Coferências Brasileiras. Rio de Janeiro - RJ: Xenon, 1987.
Spada, Patrícia Vieira. Obesidade e Sofrimento Psíquico: Realidade, Conscientização e Prevenção. 
São Paulo - SP: Editora Unifesp, 2009.